Ao longo da história é possível identificarmos diversos registros às pessoas com baixa estatura desproporcionada, condição popularmente chamada de nanismo. Quando observamos relatos históricos e registros presentes nas diversas expressões artísticas, podemos concluir que o nanismo, existente desde as origens da humanidade, ocupou, ao longo do tempo, status diversos nas sociedades. Registros do antigo Egito, por exemplo, sugerem que muitas pessoas com baixa estatura tinham cargos de respeito e a inclusão social era uma realidade em diversas situações. Inclusive entre o panteão egípicio os deuses Bes, da sexualidade, e Ptah, da regeneração e rejuvenescimento, são representados com nanismo.
Das areias milenares da região do Cairo até as torres de concreto e vidro das grandes megalópoles da nossa sociedade atual, sabemos que nem todas as sociedades tiveram a sapiência de lidar com aqueles que são diferentes de maneira harmoniosa e respeitosa. Ainda que a luta em busca de igualdade de direitos e respeito seja frequente, o conhecimento científico acumulado nos últimos milênios, em especial nas últimas décadas com os avanços das ciências médicas, permite que possamos apoiar esses indivíduos quanto o assunto é saúde.
Entre as diversas formas de baixa estatura desproporcionada, a Acondroplasia é a mais comum. Com uma incidência mundial de 1 a cadas 25 mil indivíduos, a acondroplasia é uma condição que leva à alterações primariamente esqueléticas, gerando restrição de crescimento em ossos longos, especialmente nos osso proximais, como o úmero e o fêmur, levando ao aspecto desproporcionado da baixa estatura: enquanto os membros são mais curtos, o tronco tem crescimento e tamanho semelhante ao dos indivíduos sem a displasia esquelética. Essas alterações em ossos longos causam diversas complicações secundárias como encurvamento de membros, além de dificuldades quanto a atividades sociais devido a falta de adaptabilidade. Além dos ossos longos, alterações vertebrais caracterizadas por platispondilia, uma vértebra com formato mais “achatado”, e macrocrania, com uma fronte mais proeminente, são achados comuns que completam o quadro clínico. Como outras condições de origem genética, existe uma variabilidade de características clínicas presentes, como braquidactilia, hiperlordose, perda auditiva, apnéia do sono e até hidrocefalia que devem ser acompanhadas de forma constante e individualizada caso-a-caso. O diagnóstico da acondroplasia é um diagnóstico clínico-radiológico: conhecendo as características clínicas e os achados em radiografia de esqueleto, é possível fazer o diagnóstico de acondroplasia com segurança, sem a obrigatoriedade de um exame genético complementar.
Por falar em genética, a acondroplasia ocorre por uma variante no gene FGFR3. Esse gene codifica um receptor do fator de crescimento do fibroblasto, desempenhando um fator importante para o controle do desenvolvimento ósseo, sendo um modulador negativo da placa de crescimento. Ou seja, o receptor é responsável por enviar um sinal para a placa de crescimento informando que não é necessário crescer. Em um indivíduo sem alterações no FGFR3, a ação entre o sinal desse receptor e de outros moduladores do crescimento está em equilíbrio, e isso leva ao crescimento normal. Agora, aqueles indivíduos acondroplásicos apresentam uma variante na sequência do gene FGFR3 o que faz com que o receptor fique ativo mais do que o necessário, e por isso é dado um sinal frequente para a placa de crescimento que ela não precisa mais crescer, levando a restrição de crescimento dos ossos longos. Esse mecanismo de ação é chamado de ganho de função, pois faz com que a proteína exerça sua atividade mais do que o que deveria. Aproximadamente 98% dos indivíduos com acondroplasia apresentam uma variante específica no gene FGFR3 [c.1138G>A;p.(Gly380Arg)], que inclusive é considerada a variante patogênica mais comum de ocorrer de forma espontânea nos humanos. Por isso se estima que 80% dos acondroplásicos tenham pais com estatura normal, enquanto os outros 20% seriam herdados de um pai ou mãe também acondroplásico. Por ser uma condição de herança autossômica dominante, a chance de herdabilidade para os filhos de uma pessoa com acondroplasia é de 50%.
Devido às características clínicas, uma gama de intervenções e acompanhamentos deve ser considerado para aqueles com acondroplasia, o que pode incluir, além de medidas terapêuticas de suporte e de adaptação, cirurgias devido às deformidades dos membros inferiores, entre outras intervenções considerando as possíveis complicações citadas anteriormente. Ao conhecer melhor a base molecular da acondroplasia, desenvolver métodos terapêuticos específicos começa a se tornar o próximo passo da jornada para melhorar as condições de vida e condições clínicas dessa displasia esquelética. Algumas moléculas estão sendo estudadas, com publicações na última década, como perspectivas de tratamento para auxiliar no crescimento e em melhorar as deformidades esqueléticas presentes. Entre essas moléculas, a vosoritida um peptídeo natriurético do tipo C ganhou destaque nas últimas semanas quando se tornou a primeira opção medicamentosa específica para auxiliar no crescimento do indivíduo com acondroplasia, aprovado por órgãos como o americano FDA e pela ANVISA. O achados publicado em estudo fase III mais relevante sobre o efeito do uso de vosorotida é o aumento da velocidade de crescimento em 1,57cm/ano quando comparado àqueles indivíduos do grupo placebo. A indicação da medição é para aqueles indivíduos com pelo menos 5 anos de idade, e recomendado até o fechamento das placas de crescimento. A aplicação é diária, através de uma injeção subcutânea, muito semelhante ao que ocorre, por exemplo, no uso de insulina. Com a aprovação do órgão regulatório nacional, no final de 2021, e com o lançamento da medicação em território nacional no dia 26 de maio de 2022, diversos indivíduos vão se beneficiar do acesso ao tratamento, que tende a alterar a história natural da acondroplasia, ao menos no que tange à questão do crescimento e da estatura. Claro, por ser uma medicação nova, o acompanhamento criterioso desses pacientes deve ser realizado por profissional médico capacitado, e qualquer reação adversa não descrita em bula deve ser reportada para que seja devidamente verificada.
O avanço da ciência, com a possibilidade de entender melhor as bases genéticas e moleculares de condições como a acondroplasia, aliado com o esforço de pesquisadores e profissionais da saúde ao redor do mundo possibilitam o avanço constante em busca de novas opções terapêuticas em prol daqueles que necessitam. Seguindo o exemplo do Vosoritida para Acondroplasia, esperamos que a próxima década seja repleta de opções terapêuticas novas para antigas condições de origem genética, focando sempre no bem estar do paciente, em melhorar qualidade de vida, e mesmo em possível cura, especialmente quando pensamos nas opções de terapia gênica que começam a se tornar realidade no mundo, e também no Brasil.
Principais Referências:
SAVARIRAYAN, Ravi et al. Safe and persistent growth-promoting effects of vosoritide in children with achondroplasia: 2-year results from an open-label, phase 3 extension study. Genetics in Medicine (2021)
CHAN, Ming Liang et al. Pharmacokinetics and Exposure-Responde of Vosoritide in Children with Achondroplasia. Clin Pharmacokinet (2022)
LEGARE, Janet. Achondroplasia. GeneReviews (2022)
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