São Paulo, 28 de fevereiro de 2023.
“Já me falaram que o que eu precisava era cuidar da minha cabeça com um psiquiatra, que eu estava inventando essa dor.”
“Eu já passei em tantos médicos, e ninguém consegue me ajudar. O que vai ser do meu filho quando eu não estiver mais aqui para cuidar dele?”
“Nós fizemos todos os exames e cada médico fala uma coisa. Precisava de mais uma opinião pra saber se tem algo a mais para fazer.”
Essas três frases representam três jornadas diferentes, de três pessoas diferentes atendidas hoje em meu consultório. Elas têm em comum um denominador invisível, e apesar de serem únicas, podem representar histórias que estão acontecendo todos os dias, o tempo todo, na vida de milhões de brasileiros. Essas frases são exemplos de pequenas etapas da jornada que é ter uma Doença Rara: representam a insegurança, os múltiplos desafios pela falta de conhecimento e acolhimento e, também, a esperança.
Por um lado, podemos falar que uma Doença Rara é definida como toda aquela que afeta 65 a cada 100 mil indivíduos, que 80% são de origem genética e na maioria manifestadas na infância, que existem mais de 13 milhões de brasileiros com uma doença rara espalhados pelo nosso país, sem acesso à atendimento, diagnóstico, tratamento e aconselhamento, que a jornada diagnóstica pode levar, às vezes, décadas para se concluir. Todas essas informações nos permitem começar a vislumbrar a complexidade que é esse universo tão frágil e carente. Que os bastidores de uma consulta escondem desafios diários de uma dinâmica familiar moldada para uma nova realidade, de abandono, de discriminação, de capacitismo, de abrir mão de emprego e de lazer; os desafios velados da falta de acesso: acesso aos profissionais capacitados, às terapias de estimulação e reabilitação, aos medicamentos, aos exames, à informação. Não obstante, os bastidores de uma saga que escancara, para quem quer, a falta de formação mínima dos profissionais da saúde em reconhecer uma possível doença rara, em encaminhar, em reconhecer seus próprios limites ao invés de responder de maneira obtusa sobre um universo que não conhecem, e por não conhecer não reconhecem as dores, desafios e necessidades que se escondem por detrás das pessoas sentadas, por alguns minutos, na cadeira de um consultório.
Por outro lado, vivenciar o universo das Doenças Raras permite, a um observador atento, conhecer histórias únicas, de pessoas que lutam contra o improvável todos os dias, e dão exemplos diários de superação. Perdoem-me a analogia se não for das melhores, mas ser um médico que atua com doenças raras (e imagino que o sentimento seja semelhante para os demais colegas que lidam com doenças raras diariamente) é como ser um astronauta explorando os confins desse universo, um outro universo vizinho ao seu. Você se sente parte dele, mas sabe que seu lugar é diferente do daqueles que ali vivem, pois a luta e a dor deles jamais será comparável a sua. Não obstante, como todo bom explorador, desses de filmes de ficção, você chega todo dia em um novo mundo, conhece a respeito dele e procura identificar como pode ajudá-lo. Você aprende sobre uma forma de viver tão única, que te faz pensar, diariamente, o como vitórias impossíveis são reais. Você ajuda quando possível. E você se esforça para aliviar o sofrimento e as dores, que durante aquele tempo, compartilham com você.
Anteriormente nesse texto eu falei que o “universo” das Doenças Raras é frágil. Foi uma liberdade poética, mas confesso que foi também uma mentira utilizada para a narrativa. Se existe universo mais forte e capaz do que aquele formado pela união das milhares de estrelas que são as pessoas com doença rara, eu desconheço.
Que o brilho de vocês seja visto por todo o Cosmos. Hoje e sempre.
De um astronauta, ansioso por continuar por anos nessa jornada,
Rodrigo Ambrosio Fock.
Justamente assim que eu me sinto quando levo minha filha a mais de 15 anos para geneticista e até agirá sem laudo definido.
Que lindo Ro!!!! Parabéns pela especialidade…. Geneticista tbem são jóias raras!!! 💜